domingo, 2 de março de 2008

Identidades de corpos mumificados da Luz podem não ser reveladas

Aiuri Rebello e Cristina Christiano, Diário de S. Paulo

Corpos mumificados encontrados no mosteiro da Luz. Foto: Angelita Loturco e Rogerio Abbamonte/divulgação

SÃO PAULO - De dependesse apenas da ciência, as duas freiras do século XIX, enterradas em um carneiro (tumba na parede) na sacristia da antiga Igreja de Santo Frei Antonio de Sant'Anna Galvão, no Mosteiro da Luz, poderiam ser identificadas pelo nome. Porém, como os estudos em torno dos corpos mumificados, descobertos no Carnaval, envolvem também a Igreja, os pesquisadores decidiram preservar a identidade das irmãs, que eram da ordem da Monjas Concepcionistas da Congregação de Imaculada Conceição.


- Existe um processo para se chegar à identificação. Porém, como não sabemos se era opção delas manter o anonimato, já que não há identificação no carneiro, vamos respeitar a vontade religiosa para que não se rompa a harmonia entre a ciência e a religião. A pesquisa tem um limite, porque está atrelada às necessidades da Igreja - explica o professor de arqueologia forense do Museu de Arqueologia e Etimologia da USP (MAE) e da Academia de Polícia Civil, Sergio Francisco Monteiro da Silva.


Segundo o professor, pelo menos metade das 86 freiras que morreram no Mosteiro da Luz, onde viveram enclausuradas, tem lápide no túmulo. Uma delas é a primeira abadessa (madre superiora) do mosteiro, a irmã Oliva Maria de Jesus, que está enterrada no cemitério novo, do lado externo. No antigo cemitério, que recebeu sepultamentos até 1822, o processo é idêntico. As que ocupam carneiros não têm identificação, mas a enterrada no chão traz a inscrição "Maria Caetana da Conceição, 1816".


Três dos seis carneiros foram abertos. Os pesquisadores encontraram dois corpos e a silhueta de outro. Sabe-se também que, até 1822, nove freiras morreram no mosteiro.


Um rastro de cupim levou os pesquisadores a localizar os corpos mumificados das freiras, que ocupavam o mesmo carneiro. Mas um deles, devido à ação de cupins, já começava a se deteriorar. O inseto foi encontrado na tumba.


- Vamos manter o controle para evitar a proliferação de fungos, besouros, baratas e ratos até quando as monjas permitirem que a pesquisa seja feita. Se a vontade delas for voltar a lacrar o carneiro e impedir a exposição dos corpos, como já manifestaram, vamos respeitar. Porém, se a opção for mostrar ao público, teremos que restaurá-los - diz o professor.


Segundo Silva, há mumificações em várias partes do mundo, por métodos artificial e natural. O processo leva apenas alguns meses.


Crônicas da clausura

"Levantamos hoje às 5h, fomos à missa e tomamos café. Hoje é dia de santo Afonso..." O relato, extraído de um dos quatro livros de crônicas escritos pelas Monjas Concepcionistas da Congregação da Imaculada Conceição, que habitaram o Mosteiro da Luz entre os séculos XVIII e XIX, mostra que, desde aquela época, já tinham a preocupação de documentar fatos.


Os livros foram entregues pela abadessa ao cônego do mosteiro, padre Armênio Nogueira, junto com um outro que traz a biografia das irmãs. Só de folheá-los, o padre percebe que até hoje as normas do mosteiro, criadas por Frei Galvão, são seguidas pelas 14 freiras e uma noviça que vivem na clausura.


Elas não têm acesso à internet, mas podem usar computador para escrever. Na TV, só assistem às programações religiosas, e o único jornal que lêem é o "L´Osservatore Romano", editado pela Igreja.


Todos os dias, realizam seis momentos de oração. Neste período, por causa da Quaresma - 40 dias entre o Carnaval e a Páscoa -, se isolam ainda mais e o recolhimento é absoluto. As irmãs, que normalmente não falam com quem vive fora da clausura, neste período evitam até conversar entre si.


Atualmente, vivem no claustro do Mosteiro da Luz 14 irmãs concepcionistas e uma noviça que fará os votos perpétuos no final deste mês. Todas são brasileiras. A mais velha tem 86 anos e vive lá há 63. A idade mínima para ser aceita é 17 anos. Desde 1774, quando Frei Galvão construiu o mosteiro, 129 irmãs já passaram por lá.


As freiras só podem deixar a clausura por questões de enfermidade. Quando adoecem, têm um quarto reservado no Hospital da Beneficência Portuguesa, cedido pelo empresário Antônio Ermínio de Moraes. Antigamente, as freiras podiam receber apenas visitas do pai, da mãe e dos irmãos. Hoje, já são visitadas por qualquer pessoa, desde que queiram.


Quando elaborou as regras, Frei Galvão determinou que, desde aquela época, as freiras realizassem todos os trabalhos do mosteiro. Porém, caso precisassem de auxiliares, teria que ser de acordo com as leis trabalhistas em vigor. Um dos grande segredos delas é o tempero culinário, classificado como inigualável.


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http://oglobo.globo.com/sp/mat/2008/03/02/identidades
_de_corpos_mumificados_da_luz_podem_nao_ser_
reveladas-426045893.asp

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