Lourival Sant’Anna, MOSCOU
O único canal nacional privado da Rússia, NTV, dedicou na reta final da campanha presidencial 17 vezes mais tempo nos seus noticiários ao candidato do governo, o vice-primeiro-ministro Dmitri Medvedev, do que aos outros três somados. Em outros três canais importantes, o desequilíbrio foi menor, mas considerável. Isso sem contar o tempo dedicado ao presidente Vladimir Putin, que apontou Medvedev como seu sucessor, anunciando que será indicado primeiro-ministro por ele, depois da vitória de domingo, dada como certa.
O Centro para Jornalistas em Situações Extremas monitorou as cinco principais emissoras de TV do país, de 2 de janeiro a 25 de fevereiro, entre 18 horas e meia-noite. O favorecimento mais avassalador ao candidato do governo ocorreu na NTV, um antigo canal independente que se tornou governista. No período, Medvedev ocupou 43,3% do tempo do noticiário político, enquanto os outros três candidatos somados obtiveram 2,5%. Putin ficou com os restantes 54,2%.
“Putin está matando o jornalismo na Rússia”, disse ao Estado o diretor do Centro, Oleg Panfilov. Ele reconheceu, entretanto, que “nunca houve imprensa isenta” na Rússia. Segundo Panfilov, o governo usa a Receita Federal para pressionar empresas proprietárias dos meios de comunicação - que em geral atuam também em outros setores - e os potenciais anunciantes publicitários. Ao mesmo tempo, as grandes estatais compram o controle acionário e espaços publicitários nos meios.
A NTV foi fundada no início dos anos 90 pelo empresário Vladimir Gusinski, e era um canal crítico ao governo, que chegou a ter mais de 40% da audiência. Depois da eleição presidencial de 2000, vencida por Putin, o canal foi alvo de uma batida da Receita Federal e Gusinski, preso. Um banco estatal que havia feito um empréstimo ao empresário cobrou pagamento, inviabilizando seus negócios. Num acordo com o governo, Gusinski concordou em vender à Gazprom, gigante estatal do gás, 46% das ações de seu grupo Media-Most - que também tinha um jornal, uma revista e uma emissora de rádio independentes. Os veículos tornaram-se favoráveis ao governo.
EXPOSIÇÃO
No Canal 1, emissora de maior audiência na Rússia, cujo dono, Boris Berezovski, foi expulso do país, e da qual o governo adquiriu controle acionário, Medvedev obteve 32,4% do tempo dos noticiários, enquanto os outros três candidatos somaram 7,6%. Putin recebeu os outros 60%, segundo a contagem do Centro, ligado à União Russa de Jornalistas. Na estatal TV Rússia, Medvedev ficou com 25,9%, os outros três somaram 14,5% e Putin, 59,6%. No canal TV Centre, Medvedev teve 35,3% do tempo, os outros candidatos, 6,5%, e o presidente, 58,2%. O único canal que buscou equilíbrio foi a Ren-TV, pequena emissora privada da qual o antigo dono, o líder oposicionista Anatoli Chubais, também teve de abrir mão. Nela, o tempo foi repartido entre o candidato ultranacionalista Vladimir Jirinovski (21,6%); Medvedev (20,9%); o comunista Gennadi Ziuganov (20,5%), e o direitista Andrei Bogdanov (6,3%). Como nas outras emissoras, Putin foi o que teve mais exposição: 30,7%. De acordo com pesquisa do instituto independente Levada Center, a TV é o principal meio de informação de 81% dos russos.
Assim como Putin fez nas eleições de 2000 e 2004, Medvedev dispensou o tempo do horário eleitoral gratuito. No programa, que vai ao ar às 7 e às 23 horas, por cerca de uma hora, os candidatos têm o mesmo tempo, e debatem entre si.
Putin e Medvedev foram longamente mostrados ontem pelas TVs num evento no Kremlin, no qual funcionários apresentavam resultados de programas do governo. O popular presidente aproveitou para dizer que o vice-primeiro-ministro saiu-se bem supervisionando os programas: “A avassaladora maioria das tarefas estabelecidas pelos projetos foi cumprida.” Em seguida, Medvedev apresentou índices oficiais sustentando a afirmação.
Medvedev lidera amplamente as pesquisas, com índices semelhantes aos da popularidade de Putin, entre 70% e 80%. Vários líderes da oposição, incluindo o ex-campeão mundial de xadrez Garry Kasparov, recusaram-se a disputar a eleição, por considerá-la injusta. Grupos de defesa da democracia respaldaram ontem a acusação. “Essa não é uma eleição em que as pessoas escolhem”, disse Elena Panfilova, da filial russa da Transparência Internacional. “Tudo foi decidido previamente.”
http://txt.estado.com.br/editorias/2008/02/29/int-1.93.9.20080229.12.1.xml
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