SILVANA ARANTES
Enviada especial a Berlim, da Folha de S.Paulo
"Shine a Light", o filme de Martin Scorsese com os Rolling Stones que abriu ontem o 58º Festival de Berlim, tem qualidades para agradar mesmo quem não é fã do cineasta norte-americano ou da banda inglesa --se existir alguém assim.
Em torno do show que os Stones fizeram no Beacon Theatre em Nova York, em 2006 --peça principal do filme--, Scorsese acrescentou elementos de suspense, de história, de humor e até de intriga --principalmente na rivalidade entre os guitarristas Keith Richards e Ronnie Woods.
Hermann J. Knippertz/AP |
O diretor Martin Scorsese, que exibe em Berlim, fora da competição, o filme "Shine a Light" |
O filme começa com a imagem em preto-e-branco de Scorsese no Beacon Theatre e de Jagger num escritório, em Londres, paralelamente. Enquanto o diretor estuda onde posicionar as câmeras, Jagger diz, vendo a maquete do teatro: "Parece uma casa de bonecas".
Com seus 2.400 lugares, o Beacon Theatre é pequeno demais para uma banda habituada a platéias de milhões.
As "desavenças" entre os Stones e Scorsese sobre o local e a ordem do show ocupam a primeira parte do filme, que logo depois se torna colorido.
"Tudo o que eu peço é para saber quais serão as duas primeiras músicas", implora Scorsese, aflito com a possibilidade de não estar com a câmera apontada para o guitarrista correto no primeiro acorde.
Os Stones resistem a seguir um plano rígido, afinal, "isso aqui é rock'n'roll", como argumenta Richards.
Entrevistas que os músicos deram a TVs de diversos países desde 1964 são intercaladas ao show, promovido pela Clinton Foundation. Por isso é um simpático ex-presidente Bill Clinton quem apresenta a banda à platéia. "Hoje, estou abrindo para os Rolling Stones", diz Clinton, que havia sido recebido nos bastidores, garantindo um dos momentos mais divertidos do filme.
Quando a produção diz que os músicos deverão estar no palco pontualmente às 17h45 para cumprimentar o casal Clinton (e agregados), Woods e o baterista Charlie Watts simplesmente riem da mesura. "Vou dizer: "Hey, Clinton, I'm Bushed'", diverte-se Richards.
Na escolha dos trechos de arquivo que entrecortam o filme, Scorsese mostrou habilidade para fazer sutis comentários. Por exemplo, à longevidade dos Stones. Numa entrevista dos anos 1970, um repórter pergunta a Richards se ele está se sentindo em forma para o tipo de show dos Stones e tenta obter uma data para o fim das turnês. Em "Shine a Light", esse duelo verbal é intercalado ao momento em que Jagger deixa o microfone para Richards. Quando termina de cantar, ele pergunta à platéia: "Vocês sentiram (a vibração), não foi?".
De Jagger, Scorsese pinça a frase dita na juventude de que "facilmente" se enxerga cantando aos 60 anos de idade.
Fãs
Além do filme propriamente, as presenças de Scorsese e dos Stones ontem em Berlim causaram enorme frisson. Fãs fizeram fila na rua (gelada) apenas para vê-los passar.
Jornalistas se acotovelaram para a entrevista coletiva com uma hora de antecedência.
Jagger contou que propôs a Scorsese que ele filmasse o show de Copacabana, no Rio de Janeiro, porque achou que seria ótimo ter o registro "daquele grande show na praia, para passar em Imax [formato de tela gigante], mas Scorsese preferiu algo mais íntimo".
O diretor explicou que sua escolha por um teatro pequeno foi porque ele gostaria de "não apenas filmar os Stones, mas mostrar a máquina armada para filmar os Stones".
De fato, o "por trás das câmeras" é mostrado no longa-metragem, a ponto de Scorsese aparecer no final, ordenando o movimento da câmera --para o céu, onde uma lua digitalizada se transforma na boca com a língua escancarada que é marca da banda.
Scorsese diz que um de seus objetivos foi fazer o espectador chegar o mais perto possível da experiência do show ao vivo.
Jagger e Scorsese afirmaram-se orgulhosos do fato de que, "pela primeira vez, um documentário irá abrir este festival". A sessão oficial para convidados, à noite, ocorreu depois da projeção para a imprensa e da coletiva.
Praticamente obrigado a falar pelos companheiros de banca, Watts confessou que odeia se ver na tela. Jagger disse que não enxerga diferença entre interpretar no cinema e se apresentar num palco. "É tudo performance."
"Shine a Light" foi exibido fora de competição. Talvez porque, com Stones e Scorsese juntos, seja difícil competir.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u370608.shtml
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