Marsílea Gombata, JB Online
DA REDAÇÃO - Depois de um ano de embates entre simpatizantes do governo e oposição, a Bolívia vai às urnas neste domingo para escolher se deve seguir ou não uma Constituição que privilegia a cultura indígena local, busca um Estado centralizador e ignora o investimento estrangeiro.
Ainda que o governo saia como vencedor – como indicaram, de forma confusa, esparsas pesquisas realizadas dias antes da votação – uma vitória não garante a unidade do país, apoio ou estabilidade para o presidente Evo Morales. Nem mesmo dentro do próprio Movimento Ao Socialismo (MAS), de Morales, existe otimismo uniforme sobre o resultado deste domingo: enquanto uns falam em 90%, outros apostam em 50% dos votos mais um.
Apesar do “acordo” com a oposição para a revisão de alguns artigos da Carta proposta, a região da Meia Lua (parte oriental do país) continua a ser a oposição representativa, com reivindicações que beiram a ânsia de separatismo. Neste contexto, portanto, os 90% a favor do sim, inicialmente projetados pelo MAS, dificilmente serão alcançados hoje.
O que começou como um movimento popular vem perdendo força depois das campanhas opositoras. Editor de política do jornal de Santa Cruz El Deber, Leopoldo Vega conta que no início a campanha a favor pelo “sim” sustentava apoio de 80% dos votos. Mas a cifra foi baixando e, hoje, partidários representam não mais que 60%.
– Sem dúvida, a campanha que a oposição tem feito, assim como a de setores religiosos, que acusam a Constituição proposta de eliminar Deus e a religião, privilegiando outras culturas indígenas e campesinas, tem surtido efeito – observa Vega. – O impacto negativo sobre Evo dá-se sobre argumentos como legalização do aborto e união entre pessoas do mesmo sexo, que em uma sociedade conservadora como a boliviana pode mudar radicalmente o resultado a poucos dias da votação.
Depois da forte participação do grupo Iglesias Re-Unidas – que engloba as evangélicas e parte das católicas – questionando as consequências da implementação da Carta, Vega conta que a Conferência Episcopal Boliviana emitiu uma nota ressaltando aspectos negativos da Constituição em jogo, como a limitação do ensino religioso.
Com o “não” vencendo em cinco dos nove departamentos – Santa Cruz, Beni, Pando, Tarija e Chuquisaca – e movimentos opositores ganhando força em regiões favoráveis ao projeto do MAS, como Potosi e Oruro, tem-se um quadro em que mais de um terço do país se oporá à mudança. Mais do que favoráveis ou não ao presidente, há atualmente duas posições bem definidas: os que apóiam o governo e quem apóia os governadores de departamentos opositores, mas não necessariamente seus partidos.
Ano passado
O que mudou desde o ano passado, com intensos protestos contra a decisão de Morales para voltar atrás na decisão de cortar os repasses para os departamentos do dinheiro obtido com impostos sobre gás e petróleo que resultaram em 20 mortos, foi o aprofundamento das rivalidades e a polarização, explica Fernando Nuñez, da Universidade Privada de Santa Cruz de la Sierra:
– Ocidente e Oriente são duas frentes totalmente diferentes que discordam em pontos étnicos, e estão renegados a um desgaste do governo, marcado por desvalorização dos produtos, hiperinflação e insatisfação.
Na semana passada, Morales lançou o jornal oficial Cambio para enfrentar o que chamou de “agressões” dos meios de comunicação privados contra seu governo que completou três anos. A publicação integrará o Canal 7 (emissora com maior alcance nacional), a rádio Patria Nueva (com 36 filiais) e 100 estações comunitárias. Caso vença, o presidente pretende adiantar as eleições gerais previstas para dezembro para “acelerar” o processo de transição para a nova Constituição.
Membros da oposição reclamam que muitos dos artigos da Carta são similares aos da que perdeu o referendo na Venezuela, em 2007. Além disso, acusam o projeto de não ter direção, ser destinado a uma minoria e não levar em conta a importância de investimentos privados para o desenvolvimento da economia nacional.
– A reforma busca dar mais direitos participativos a campesinos indígenas originários, que hoje são minoria – observa Roberto Laserna, diretor do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social, em Cochabamba. – Traz uma visão que desconhece o papel de empresas estrangeiras e impedirá que alguns setores, como o petroleiro, desenvolvam-se adequadamente, levando à perda de mercado para a Bolívia.
Para o cientista político Carlos Toranzo, que atua em La Paz, a proposta de Morales deseja, “desde o início, ser a que conduza à mudança de Estado, que derrube o neoliberalismo e supere a marca dos vestígios da colonização”:
– É dizer que deseja uma Constituição que faça justiça ao passado histórico de nosso país.
A Carta que prega o modelo de república ocidental como “responsável pelos males da Bolívia”, quando comparada ao projeto de Carta chavista, mostra-se mais ideológica, com margens para interpretações distintas:
– Ou será violada desde o primeiro dia ou gerará mais confusão do que se viu até aqui – aposta Laserna.
Em caso de vitória do “sim”, Nuñez prevê uma Bolívia à margem de desenvolvimento de países que diversificam seus parceiros, “cada vez mais isolada e fechada”.
http://jbonline.terra.com.br/nextra/2009/01/24/e240124431.asp
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